Ícone do humor brasileiro, que fugiu do nazismo e conquistou gerações com mais de 2 mil personagens, falece no Rio de Janeiro; veterana completaria centenário em março de 2026
Rio de Janeiro – A atriz e comediante Berta Loran, uma das maiores referências do humor no Brasil, faleceu na madrugada desta segunda-feira (29), aos 99 anos, em uma unidade de saúde particular em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro. A notícia foi confirmada por fontes próximas à família, que revelaram que a artista, que completaria 100 anos em março de 2026, vivia reclusa nos últimos anos, longe dos holofotes e sem contato com a imprensa. Até o momento, a assessoria do hospital não retornou às tentativas de contato da reportagem.

Nascida Basza Ajs em 23 de março de 1926, em Varsóvia, na Polônia, Berta Loran carregava em sua trajetória uma história de resiliência que ia além das telas. Judia, ela chegou ao Brasil em 1937, aos 11 anos, com os pais e cinco irmãos, fugindo da ascensão do nazismo na Europa. Instalada em um sobrado na Praça Tiradentes, no centro do Rio, a família enfrentou dificuldades financeiras, mas foi nesse ambiente que a jovem Berta encontrou refúgio no riso. Influenciada pelo pai, ator e alfaiate, ela debutou no teatro aos 14 anos, apresentando-se em clubes da comunidade judaica ao lado da irmã, formando a dupla Berta e Bela Ajs.
Sua carreira, que se estendeu por quase oito décadas, foi um verdadeiro festival de talentos. No teatro, brilhou em peças clássicas como Boeing Boeing (1964), Cinderela do Petróleo (1966) e Damas do Humor e da Canção (2018), passando por uma temporada de sucesso em Portugal entre 1957 e 1963, onde atuou em espetáculos como Mulheres à Vista!. No cinema, estreou em 1955 com Sinfonia Carioca, de Watson Macedo, e integrou o auge das chanchadas ao lado de grandes nomes, como em Papai Fanfarrão e Garotas e Samba, ambos de Carlos Manga. Mais recentemente, aos 94 anos, foi indicada ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de Melhor Atriz Coadjuvante por Jovens Polacas (2020), um filme que retratava a saga de imigrantes polonesas – um eco pessoal de sua própria jornada.
Mas foi na televisão que Berta Loran se eternizou como a “rainha do riso”. Pela Rede Globo desde 1966, ela integrou programas icônicos como Riso Sinal Aberto, Balança Mas Não Cai e Viva o Gordo, criando mais de 2 mil personagens que misturavam sagacidade, timing impecável e uma pitada de ironia afiada. Sua participação na Escolinha do Professor Raimundo como a inesquecível Manuela d’Além Mar e Sara Rebeca virou patrimônio cultural, gerando risos em gerações. Mesmo em novelas, como a ambiciosa Loló em Cama de Gato (2009), a Rainha-Mãe Efigênia em Cordel Encantado (2011) e a excêntrica Dinorá Macondo em A Dona do Pedaço (2019) – seu último trabalho na Globo, aos 93 anos –, Berta provava que o humor era sua bússola. “Vou trabalhar até os 120 anos”, brincava ela, em uma declaração que resumia sua filosofia de vida: o riso como antídoto para as adversidades.

A vida pessoal de Berta era tão rica quanto seus papéis. Casou-se quatro vezes: com o ator judeu Suchar Handfuss (1946-1957), com quem viveu em Buenos Aires e Portugal; o comerciante Júlio Marcos Jacoba (1963-1988); o cantor Paulo de Carvalho (1990-2016); e o ator Claudionor Vergueiro (2017-2025), até a morte dele. Naturalizada brasileira em 1957, ela revelou em raras confidências ter engravidado duas vezes, optando por abortos para priorizar a carreira em meio a dificuldades financeiras. Esses capítulos foram resgatados no livro Berta Loran: 90 Anos de Humor (Litteris, 2016), organizado pelo produtor cultural João Luiz Azevedo, uma homenagem que incluiu documentário, exposição e show no Oi Casa Grande Teatro, no Leblon.
A reclusão recente de Berta, longe da imprensa, era uma escolha deliberada. “Ela recusou convites para programas como The Noite, de Danilo Gentili, e Sem Censura, da TV Brasil. Berta sempre foi reservada, priorizando a privacidade nos anos finais”, conta o produtor, que a acompanhou de perto durante a produção do livro. “Era uma mulher de poucas palavras fora do palco, mas com um humor que iluminava tudo. Sua partida deixa um vazio, mas o legado de riso permanece.”
A notícia da morte gerou comoção imediata nas redes sociais e entre colegas de profissão. No X (antigo Twitter), perfis como o da Record News e do jornal O Tempo compartilharam tributos, relembrando sua versatilidade no teatro, cinema e TV. “R.I.P. Berta Loran, nome que marcou o humor brasileiro”, postou o jornalista Amaro Oliveira, ecoando o sentimento de fãs que viam nela não só uma comediante, mas uma sobrevivente inspiradora. A família ainda não se manifestou sobre detalhes do velório ou sepultamento, mas fontes indicam que cerimônias serão discretas, em respeito à vontade da artista de uma despedida simples.
Berta Loran não era apenas uma atriz; era um testemunho vivo de que o humor pode curar feridas históricas e pessoais. Aos 99 anos, ela sai de cena quase no limiar do centenário, deixando para o Brasil um tesouro de gargalhadas e lições de garra. O riso, como ela ensinou, nunca morre.
Por Redação do GazetaMetropolitana.com