Crise no Bolsa Família: impactos dos cortes e reação da sociedade
O Bolsa Família, principal pilar da assistência social no Brasil, enfrenta reduções inéditas nos últimos anos. Entre junho e julho de 2025, 855 mil famílias deixaram de receber o benefício (reduzindo o total a 19,6 milhões) – a maior queda mensal da série históricapoder360.com.br. Oficialmente, o governo atribui essa redução ao aumento de renda familiar (9,6 milhões de famílias saíram do programa por ganhar acima do limite) e a uma revisão cadastral para corrigir irregularidadesgov.brpoder360.com.br. O Ministério da Cidadania informa que critérios estritos (renda per capita, atualização no CadÚnico e cumprimento de condicionalidades em saúde/educação) são aplicados rigorosamentegov.brgov.br. Em nota, o ministro Wellington Dias ressaltou que Lula “jamais aceitaria cortar um só benefício do Bolsa Família” de famílias pobrescnnbrasil.com.br, sustentando que o programa “vai além da assistência imediata, sendo uma ferramenta de transformação social”gov.brcnnbrasil.com.br.
Impactos regionais e pressão sobre municípios
A redução dos benefícios atinge regiões historicamente mais carentes. No Nordeste, por exemplo, quase 9,4 milhões de famílias são atendidas pelo programa (o maior contingente regional)gov.br. A Bahia – onde 2,46 milhões de famílias recebiam o Bolsa Família em maio de 2024gov.br – sente o impacto de perto. Levantamentos de abril/2025 mostram que 197,6 mil pessoas baianas estão na fila de espera do Bolsa Família, terceira maior demanda do país (atrás de São Paulo e Rio)gazetadopovo.com.br. Essa pressão existe mesmo com corte de R$ 9,5 bilhões no orçamento federal do programa para 2025 (redução de 6% em relação a 2024)gazetadopovo.com.br. Além disso, prefeituras reclamam da redução do repasse de gestão do CadÚnico (IGD-PBF), de R$ 4 para R$ 3,25 por inscrição, o que transfere custos para os municípios e penaliza a busca ativa de famílias vulneráveisgazetadopovo.com.br.

Para além da Bahia, outras unidades federativas concentram grande parte dos beneficiários: em maio de 2024 eram 2,5 milhões de famílias em São Paulo e 1,7 milhão no Rio de Janeiro, seguidas por Minas Gerais (1,6 milhão), Pernambuco (1,58 milhão), Ceará (1,46 milhão) e Pará (1,34 milhão)gov.br. No total, cerca de 20,8 milhões de famílias (53,8 milhões de pessoas) recebiam o Bolsa Família no início de 2025gazetadopovo.com.br. Contudo, essa cobertura é menor do que a registrada no final do governo Bolsonaro – que chegou a 21,3 milhões de famílias (55,2 milhões de pessoas) em dezembro de 2023gazetadopovo.com.br – e significativamente inferior ao auge do programa no governo Dilma. Na gestão Dilma (2013–2016) havia em média 46–50 milhões de beneficiáriosgov.br (cerca de 14 milhões de famílias), mostrando como o programa foi ampliado em anos anteriores. Para efeito de comparação, a tabela abaixo resume a evolução recente do Bolsa Família:
- Governo Dilma (2013–2016): ~48–50 milhões de pessoas atendidas (cerca de 14 milhões de famílias)gov.br.
- Governo Bolsonaro (2019–2022/Auxílio Brasil): cerca de 55,2 milhões de pessoas em dez/2023 (21,3 milhões de famílias)gazetadopovo.com.brapublica.org.
- Governo Lula (2023–25): ~53,8 milhões de pessoas (20,5 milhões de famílias em fev/2025)gazetadopovo.com.br, recuando para 19,6 milhões de famílias em jul/2025 após os cortes recentespoder360.com.br.
Declarações oficiais e justificativas do governo
O governo insiste que as medidas são parte de um esforço de qualificação do cadastro e modernização do programa. Em 2024, o Ministério da Cidadania informou que mais de 8,6 milhões de famílias deixaram o Bolsa Família até julho daquele ano após melhorias de renda, fruto de geração de empregos e aumento do salário mínimogov.br. Segundo o ministério, o programa adotou a “Regra de Proteção”: famílias que ultrapassam o limite inicial (renda per capita entre R$ 218 e R$ 706) continuam recebendo 50% do benefício por até 12 mesesgov.br. Além disso, há o mecanismo chamado “Retorno Garantido”, pelo qual famílias que voltam à pobreza têm prioridade para reingresso no Bolsa Famíliagov.br. O governo também ressalta que trabalha em paralelo com outras políticas sociais – como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), iniciativas de segurança alimentar e o “Brasil Sem Fome” – argumentando que o Bolsa Família continua reduzindo a extrema pobreza (segundo o ministério, cerca de 24,4 milhões de pessoas saíram da insegurança alimentar grave em 2023 graças a essas açõesgov.br).
Recentemente, líderes do governo, como o ministro Wellington Dias, destacaram que o presidente Lula “garantirá o direito de quem tem direito” aos benefícios sociaiscnnbrasil.com.br. Em nota oficial, Dias negou que haja intenção de cortar o Bolsa Família ou o BPC, reiterando que Lula “jamais aceitaria” suprimir qualquer auxílio de famílias em situação de vulnerabilidadecnnbrasil.com.br.
Críticas e consequências sociais
Entidades de controle e especialistas, porém, apontam contradições e riscos nessas medidas. Movimentos sociais e assistentes comunitários afirmam que não há transparência nos critérios de corte e clamam por diálogo com as famílias afetadas. Uma reportagem da agência Pública destaca que 980 mil famílias unipessoais foram excluídas após a nova regra (limite de 16% de lares individuais por município), o que corresponde a grande parte dos 1,3 milhão de desligamentos recentesapublica.org. Uma assistente social ouvida pela Pública ilustra o problema: “Às vezes você vive sozinho, faz um bico, ganhou R$ 300 no mês, pronto, saiu do critério. Você não superou a sua situação de pobreza, mas saiu [do programa]”apublica.org. Como observa a reportagem, “é fácil sair do critério do programa, mas é muito difícil de você conseguir entrar novamente ou em outros programas”apublica.org.
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) também registra impactos negativos: com cortes orçamentários, atualmente 2,8 milhões de pessoas (1,9 milhão de famílias) estão em lista de espera pelo benefíciogazetadopovo.com.br. A CNM afirma que a União “desconsidera suas responsabilidades” ao reduzir repasses de custeio, transferindo as despesas para os municípiosgazetadopovo.com.br. Em maio de 2025, 45% da demanda reprimida estava no Sudeste e 25% no Nordestegazetadopovo.com.br, com São Paulo, Rio e Bahia liderando a fila. Essa insuficiência de atendimento ocorre num cenário em que a verba total do Bolsa Família foi reduzida para R$ 169 bilhões em 2025 (queda real de 6% no orçamento)gazetadopovo.com.br, mesmo com um déficit fiscal alardeado pelo governo.
Especialistas políticos destacam a “nudez” do governo em remover benefícios tidos como direitos consolidados. Segundo o cientista político Eduardo Grin, a mudança de regras que reduz o prazo de proteção (de 24 para 12 meses, por exemplo) “pode não gerar benefício para o governo” e abre “flanco para que a oposição explore isso politicamente”cnnbrasil.com.br. Outro analista, Leandro Consentino, avaliou que “visivelmente vai ser ruim para o governo, do ponto de vista de imagem, retirar direitos que as pessoas entendem como direitos adquiridos”cnnbrasil.com.br. Em suma, críticos acusam o governo de priorizar enxugamento fiscal e agendas políticas (como aumento de emendas) em detrimento das políticas sociais, deixando um vácuo de respostas num momento de crescente vulnerabilidade.

Alternativas sociais e perspectivas
O governo afirma que alternativas estão sendo oferecidas. Além da “Regra de Proteção” e do “Retorno Garantido” já mencionados, há iniciativas de capacitação profissional para beneficiários, expansão do SUAS e até alívio de regras para trabalhadores formais do Cadastro Único. Em discurso oficial, o ministro destaca que quase 99% dos empregos formais criados em 2024 foram ocupados por pessoas inscritas no CadÚnico (75,5% por beneficiários do Bolsa Família)gov.br, sugerindo que o mercado de trabalho é o caminho natural de saída da pobreza. Ainda assim, não foi apresentado nenhum programa emergencial ou transição robusta para as famílias já desligadas, o que alimenta a sensação de abandono social.
Em contrapartida, organismos internacionais e tribunais apontam que não pode haver discriminação regional no corte de programas sociais. Durante a pandemia de Covid-19, o STF já determinou que cortes do Bolsa Família no Nordeste deveriam ser suspensos por ferir o princípio da isonomianoticias.stf.jus.br. Hoje, líderes comunitários da Bahia e de outros estados solicitam igualmente mais transparência e fiscalização isonômica: segundo eles, medidas que atingem mais duramente regiões mais pobres agravam desigualdades e contrariariam a missão constitucional do Bolsa Família.
Em resumo, o reajuste cadastral promovido pelo governo Lula cortou quase um milhão de famílias nos últimos mesesapublica.orgpoder360.com.br, levando o programa ao menor patamar populacional em três anospoder360.com.br. Se por um lado o governo insiste tratar esses cortes como simples “recorte de irregularidades”gov.brcnnbrasil.com.br, por outro críticos veem severas contradições: combates discursivos à fome e, na prática, redução do apoio aos mais pobres. Até agora, não há previsão clara de como atender as famílias excluídas, o que amplia o clima de apreensão sobre segurança alimentar e a eficácia da rede de proteção social no Brasil. As recentes declarações oficiais garantem o compromisso com os mais necessitadoscnnbrasil.com.br, mas organizações sociais e especialistas seguem na vigília para que isso se traduza em ações concretas, transparentes e duradouras.